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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Conexões com a criatividade e o mercado profissional

Profissionais dos campos da literatura e das artes gráficas falam sobre a relação entre texto e imagem. Limites do processo criativo e exigências impostas pelo mercado foram alguns dos temas em debate.

Conexões com a criatividade
Os caminhos da criação e a relação entre texto e imagem foram assunto do encontro entre o escritor José Castello e o artista gráfico Rico Lins. Os dois enfatizaram a importância do desconhecido nesse processo. (ilustração: Sofia Moutinho)
Qual a relação entre a literatura e as imagens? Em torno dessa pergunta girou o encontro entre o escritor e crítico literário José Castello e o artista gráfico Rico Lins, durante a palestra ‘TextoImagens – Jogo livre das conexões’, realizada na última sexta-feira (17/05) na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).
Os palestrantes, ambos laureados recentemente com o Prêmio Jabuti, focaram o debate no processo criativo, principalmente nas semelhanças entre os processos de criação de escritores e artistas gráficos. No caso literário, como observa Castello, muitas vezes as palavras nascem na forma de imagens, em um “lugar escuro” dentro da mente do escritor.
Castello: “O trabalho de criação parte de zonas da mente que você não conhece e muitas vezes vem na forma de imagens, em formas brutas, em palavras soltas”
“O trabalho de criação parte de zonas da mente que você não conhece e muitas vezes vem na forma de imagens, em formas brutas, em palavras soltas”, ressalta o escritor. “Sem acessar esse lugar escuro, é possível escrever vários tipos de texto, como um trabalho acadêmico, uma reportagem, o que seja, mas não literatura.”
Segundo ele, no campo da literatura não se trabalha com a realidade – aquilo que já se conhece –, mas sim com o real – que é escuro, ou seja, a ausência de imagens anteriores. “É como se um escritor trabalhasse numa sala escura e fosse tateando os objetos, formando assim imagens em sua mente”, descreve.
O biógrafo citou a escritora Clarice Lispector, uma das personalidades retratadas em seu livro Inventário das sombras (Ed. Record), quando ela escreveu o romance Água viva (Ed. Rocco). Como a própria autora relatou a Castello, palavras e frases soltas apareciam a todo momento em sua mente e ela as anotava em qualquer pedaço de papel que estivesse à mão. Durante dois anos, ela juntou diversos papéis em uma caixa no seu armário.
Quando Lispector tirou todos os papéis da caixa, viu que muitas palavras se encaixavam, enquanto outras não, como num quebra-cabeça. “Clarice dizia que o trabalho de colagem das palavras se assemelha ao de um pintor, e por isso ela escolheu uma pintora como narradora de Água viva; só uma pintora conseguiria lidar com essas formas brutas e soltas.”
José Castello
José Castello observa que muitas vezes as palavras nascem na forma de imagens. 'Em um lugar escuro na mente', diz ele, à direita na foto, ao lado do professor Jonas Federman, organizador do evento. (foto: Mathilde Molla)

Processos semelhantes, diferentes significados

Como José Castello, o artista gráfico Rico Lins acredita que o mais interessante e desafiador é trabalhar com o estranho, o diferente, principalmente quando o profissional reconhece seu trabalho naquilo. “Você se reconhecer no que não conhece é mais interessante do que se reconhecer no que já conhece”, afirma.
No entanto, Lins acredita que também se pode trabalhar com o que é conhecido, a partir da atribuição de novos sentidos. “O processo de ressignificação traz referências, mas também permite a construção de novos significados”, diz o artista. “Acho que a resposta de uma imagem nunca está em quem fez, mas sim em quem a vê.”
Lins: “Você se reconhecer no que não conhece é mais interessante do que se reconhecer no que já conhece”
Lins exemplifica com uma ilustração que fez para o New York Times. Ele criou para uma matéria específica a imagem de um homem, com camisa social e terno, e duas mãos no lugar da cabeça. A imagem, porém, acabou não sendo usada. Tempos depois, foi procurado por outro jornalista, que pediu para usar essa mesma imagem em reportagem sobre a CIA (agência de inteligência norte-americana). “Não sei o que tinha a ver com a CIA, ele viu coisas que eu não vi na imagem, o que acho muito válido”, comenta.
Sobre a atribuição de novos sentidos, cita o projeto ‘Marginais heróis’, série de cartazes concebida para a exposição de artistas e designers brasileiros ‘From the Margin to the Edge’ (Da margem para o limiar, em tradução livre para o português), inaugurada na Somerset House, em Londres, em 2012.
Nesse trabalho, Lins resgata a conhecida frase do artista plástico Hélio Oiticica – “Seja marginal, seja herói” – e a sobrepõe em imagens de embalagens, celebridades e recortes de jornais, com letras garrafais e tinta tipográfica.
Cartazes Rico Lins
O designer Rico Lins propôs novos significados a partir do uso, em cartazes, da frase 'Seja marginal, seja herói', cunhada por Hélio Oiticica na década de 1960. (arte: Rico Lins)

Criatividade no mercado atual

Segundo José Castello, a tendência atual do mercado editorial é o escritor trabalhar com o seu editor do lado, o que gera uma padronização dos trabalhos. “É trabalhar com o que já foi visto, com fórmulas prontas que deram certo”, observa. “Para mim esse modelo é fatal para a criatividade do escritor.”
Já no caso do design gráfico, Rico Lins vê como necessário o diálogo entre o profissional e o cliente. “A pessoa sabe mais o que ela precisa do que eu, e eu sei mais como resolver o problema do que ela”, explica.
Lins: “Se você não tiver limite, não tem muro para pular, e se não tiver muro para pular, você não tem desafio”
Ele lida com os limites – como o prazo e os parâmetros determinados pelo cliente – como meios de fomentar a criatividade. “Se você não tiver limite, não tem muro para pular, e se não tiver muro para pular, você não tem desafio”, completa.
O organizador do encontro, o professor Jonas Federman, da ECO, pretende que este seja o primeiro de uma série de debates, buscando explorar o jogo da palavra com a imagem. “A ideia é investigar variados processos de criação, expandindo inclusive para outras linguagens, como o cinema”, diz.